A PSICOLOGIA DO SENTIDO
Viktor Emil Frankl nasceu
no dia 26 de março de 1905 em Viena, na Áustria. Faleceu em 2 de setembro de
1997, aos 92 anos de idade. Descendente direto de
judeus, ele foi médico, psicólogo, psiquiatra e sobrevivente dos campos de
concentração da Alemanha na época da Segunda Guerra Mundial.
Por Eduardo Ruano
O austríaco também foi
um renomado filósofo e pensador da humanidade contemporânea, tendo feito
diversas contribuições à psicologia, psiquiatria e neurologia.
Sabe-se que, no
colégio, Frankl era um aluno dedicado e inveterado a seguir na área da saúde.
Aos 13 anos, já no segundo grau, ele assistia a uma aula de ciências naturais,
durante a qual seu professor explicava que a vida acontece como um “processo de
oxidação e combustão”. O jovem Frankl interrompeu a aula, perguntando, em voz
alta, o seguinte: “Professor, se é assim, que sentido tem a vida?”
Desde cedo, já era possível
perceber a curiosidade e preocupação de Frankl pela filosofia, especialmente
por aquilo que tratava sobre os sentidos, propósitos e causas da existência
humana.
O jovem Frankl se destacou
durante toda sua trajetória escolar. No último ano, para o exame final, ele
entregou um trabalho sobre a psicologia do pensamento filosófico, com ênfase na
filosofia existencialista de Sartre, da qual discordava em partes.
Diferentemente da maioria
dos pensadores do Existencialismo – vertente que lhe serviu de base – Frankl
não era pessimista, cético e antirreligioso. Ele assumia uma visão mais
otimista e esperançosa sobre a capacidade humana de superar adversidades e
imposições da vida moderna.
Frankl se preocupava, acima
de tudo, com o conceito de propósito, a partir do qual o ser humano se orienta
no sentido de sua existência.
Em 1921, aos 16 anos de
idade, Frankl já expunha suas ideias e considerações em palestras e debates por
vários cantos da Europa. Nesse mesmo ano, ele participou de uma conferência
sobre o tema “O Sentido da Vida” e, após o evento, foi imediatamente contratado
para ser funcionário da Juventude Trabalhadora Socialista, uma comunidade com
fins acadêmicos educacionais.
O vigor intelectual de
Frankl rapidamente impressionou e o colocou em correspondência direta com
Sigmund Freud. Por influência deste, Frankl publicou seu primeiro artigo
científico em 1924, numa publicação renomada chamada International Journal
Of Individual Psychology. Era um grande feito para alguém que estava em vias de
iniciar a faculdade.
Frankl encontrava-se
regularmente não só com Freud, mas também com Alfred Adler, tendo sido
influenciado pelas ideias dos dois. Enquanto Freud trabalhava mais com a psique
e o desejo, Adler discutia sobre o poder e a vontade. No fim, ambos
determinaram a orientação do pensamento do jovem Frankl.
Mais tarde, seu
relacionamento com Adler foi rompido por causa de confrontos de personalidade,
fortes divergências de opinião e subsequentes brigas explosivas. Quanto a
Freud, Frankl passou a vê-lo com cada vez menos frequência, embora os dois
mantivessem a afinidade um pelo outro.
No final de 1926, Frankl
passou a ministrar palestras públicas, e apresentava-se em congressos por toda
a Europa. Suas habilidades de persuasão e oratória eram claramente notáveis,
assim como era adequada a organização de seus discursos.
Em Viena e outros seis
estados, Frankl e sua equipe projetaram os chamados Centros de Aconselhamento
Juvenil, onde jovens em dificuldade psicológica eram atendidos gratuitamente.
Quando ficou sabendo que o índice de suicídio entre os jovens estava altíssimo,
na época, Frankl organizou uma ação solidária de prevenção ativa, que se
mostrou extremamente eficaz. Durante a ação, não houve registros de suicídio.
Mais ou menos nessa época,
o austríaco já havia adquirido uma certa notoriedade popular, considerando que
seus feitos como profissional eram ressonantes por onde quer que passasse.
Entre 1931 e 1932, aos 27
anos de idade, ele finalmente concluiu sua formação neurológica. Em seguida,
Frankl especializou-se em psiquiatria, para depois trabalhar em um hospital na
cidade de Viena. Lá, ele conhece e se apaixona pela enfermeira Tilly Grosser,
com quem se casou em 1941, mesmo ano em que ele e a família foram feitos
prisioneiros pelos nazistas, na iminência da Segunda Guerra Mundial.
Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração
Por três longos anos,
Viktor Frankl foi mantido prisioneiro em quatro campos de concentração
espalhados por toda a Alemanha. Sua pele foi tatuada com o número 119.104,
para identificação.
Naquela ocasião, sua esposa
estava grávida. O pai, a mãe e o irmão foram todos mortos, brutalmente e sem
misecórdia, pelo bárbaro regime nazista.
No ínterim desse momento
delicado, Frankl ainda foi separado de sua esposa. Em suma, ele perdeu
praticamente tudo o que tinha por causa do terrorismo regido por Adolf Hitler.
De uma hora para outra, seu mundo colapsou.
Foi a esperança de
reencontrar sua esposa e publicar suas ideias sobre a terapia do sentido da
vida que manteve Frankl vivo ao longo dos três anos de sofrimento humano
indescritível.
Tamanha era a vontade de
passar seus conhecimentos adiante, que Frankl perigosamente escondia rabiscos
de sua teoria dentro das cuecas. O austríaco estudava o comportamento humano em
um cenário de privação total, e esses estudos, por fim, embasaram o conteúdo de
seu livro Em
Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração.
Aprisionado pelos nazistas
como um animal em um abatedouro, Frankl pôde aprender o suficiente sobre como
alguém é capaz de encontrar significado e luz quando só há morte e escuridão em
perspectiva.
Apesar da solidão, da
miséria, do desespero e do sofrimento de viver em condições subumanas, Frankl
reuniu uma força intrínseca extraordinária para superar todas as dificuldades e
poder viver em paz consigo mesmo.
Certa vez, ele disse:
“Mesmo nas situações mais
absurdas, dolorosas e desumanas, a vida tem um significado em potencial e,
portanto, até o sofrimento tem sentido.”
No livro, Frankl relata não
só suas experiências como interno nos campos de concentração, mas também
descreve seu método psicoterapêutico para encontrar sentido em todas as formas
de existência: a Logoterapia.
LOGOTERAPIA
A Logoterapia é uma
abordagem psicoterapêutica que possui um viés existencial. Essa abordagem
integra a Terceira Escola Vienense de psicologia e, basicamente, é estruturada
por três alicerces ideológicos: a liberdade do desejo, o desejo por sentido e o
significado da vida.
Frankl afirmava que o homem
não está totalmente sujeito aos seus condicionamentos, mas tem escolha de
decidir e agir em face de todas as circunstâncias, independentemente da
privação de sua liberdade. Segundo ele, existe no homem um desejo e uma vontade
de sentido.
Como psicólogo, médico e psiquiatra, ele percebeu que as pessoas não sofrem apenas de frustrações sexuais (Freud) ou de complexos de inferioridade (Adler), mas também de um certo vazio existencial. Para ele, a maioria dos problemas psicológicos e psiquiátricos nasce do sofrimento causado pela sensação de falta de sentido.
Viktor Frankl viveu tempo
suficiente para acompanhar as transformações sociais da modernidade. De acordo
com ele, nós vivemos em uma sociedade que busca virtualmente se satisfazer, ou
pelo menos se propõe a gratificar cada uma das necessidades humanas, mas se
esquece, essencialmente, de seu significado.
“A atual sociedade de
consumo até está criando necessidades, mas a necessidade de sentido – ou, como
eu costumo dizer, a vontade de sentido – permanece insatisfeita.”
Não deixa de
ser correto considerar que, atualmente, a sociedade passa por uma crise de
individualismo e apego ao materialismo. Frankl concordava com isso.
Ele argumentava que o
ser humano precisa, de fato, daquilo que ele chamava de “autotranscendência”.
Ou seja, a felicidade não pode ser perseguida de qualquer jeito, mas deve
acontecer espontaneamente, não por mera vontade, e sim pelo sentido inerente ao
sentimento. A autotranscendência pressupõe que esse sentido só pode existir se
a pessoa tiver uma causa maior do que ela.
Segundo Frankl, a busca da felicidade é uma contradição. Na sua opinião, estar preocupado com a própria felicidade e o próprio prazer é frustrar-se.
“A felicidade nunca pode
ser buscada. Ela é uma consequência, um efeito colateral, um subproduto da
realização de um sentido. Isso fica evidente nas neuroses sexuais, em que,
precisamente, à medida que alguém está perseguindo a felicidade sexual e o
prazer, estará fadado a falhar. Seja um homem que queira demonstrar a sua
potência sexual, na mesma medida, provavelmente acabará sofrendo de impotência;
ou uma mulher que quer demonstrar a si mesma que é plenamente capaz de chegar
ao orgasmo, na mesma medida, provavelmente acabará frígida.”
Em sua filosofia
logoterapêutica, o austríaco também apontou o humor como sendo uma arma de
proteção na luta pela autopreservação.
“É bem sabido que o humor,
mais do que qualquer característica do ser humano, pode diminuir o
distanciamento de si mesmo e gerar capacidade de ascensão perante qualquer
situação da vida, mesmo que por alguns segundos. A tentativa de desenvolver um
senso de humor e ver as coisas sob uma luz bem-humorada é algum tipo de truque
aprendido ao se dominar a arte de viver.”
Outro motivo de salvação na
busca pela sobrevivência, Frankl lembra, é o amor. Na sua bela definição:
“O amor é a única maneira
de entender outro ser humano no âmago mais profundo de sua personalidade.
Ninguém pode tornar-se plenamente consciente da própria essência do outro, a
não ser que ame. Por seu amor, alguém está habilitado a ver os traços
essenciais e recursos na pessoa amada; e ainda, ele vê o que é potencial nela,
e o que não está atualizado, mas deve ser realizado.”
Em uma entrevista concedida para um canal de televisão canadense, Frankl ressaltou que dificilmente se encontra qualquer referência àquilo que é a preocupação mais básica e fundamental de uma pessoa: não é prazer nem felicidade, nem tampouco sucesso, poder ou prestígio, mas original e basicamente, seu desejo é encontrar e realizar um sentido em sua vida para cada situação que a vida apresentar.
De acordo com essa teoria,
a motivação básica do comportamento humano baseia-se na busca de sentido para a
vida, e a finalidade da terapia psicológica é justamente ajudar a pessoa a
encontrar esse significado em particular.
Ou seja, na abordagem da
Logoterapia, o desejo de encontrar um propósito de vida é a força motriz do ser
humano; aquilo que o move e faz acreditar que vale a pena viver. Não se trata,
portanto, de um sentido geral de existência, mas um sentido pessoal de cada
indivíduo, que, por escolha, pode criar (e encontrar a si próprio).
“Quem conhece um sentido
para a sua vida encontra, na consciência desse fato, mais do que em outra
fonte, ajuda para a superação das dificuldades externas e dos desconfortos
internos. Disto se infere a importância que tem, sob o aspecto terapêutico, a
ajuda a ser prestada ao homem no afã de encontrar o sentido de sua existência e
de nele acordar, enfim, o desejo dormente do sentido.”
Frankl teorizou que uma
pessoa pode achar um sentido (ou um propósito) para sua vida de três formas: 1)
criando um trabalho ou realizando um feito notável; 2) experimentando um valor
ou amor; 3) através do sofrimento, adotando uma atitude em relação ao
sofrimento inevitável.
“A autotranscedência
assinala o fato antropológico fundamental de que a existência do homem sempre
se refere a alguma coisa que não ela mesma (a algo ou a alguém, isto é, a um
objetivo a ser alcançado ou à existência de outra pessoa que ele encontre). Na
verdade, o homem só se torna homem e só é completamente ele mesmo quando fica
absorvido pela dedicação a uma tarefa, quando se esquece de si mesmo no serviço
a uma causa, ou no amor a uma outra pessoa. É como o olho, que só pode cumprir
sua função de ver o mundo enquanto não vê a si próprio.”
Frankl criticou também a
ideia geral da “hierarquia das necessidades” de Abraham Maslow, afirmando
que o preenchimento vertical dessas necessidades não é de muita ajuda, quando o
que se procura é encontrar sentido: não se trata de ordenar as necessidades em
maiores ou menores, e sim de identificar qual delas tem sentido, um objetivo
por trás de sua realização.
De acordo com Xausa, a
Logoterapia de Frankl “foi um feliz caminho que se abriu para sanar as
angústias causadas pelo vazio existencial gerado por transtornos psicológicos
específicos daquela época”.
Não é por acaso que Viktor
Frankl seguiu o caminho da Logoterapia. Percebeu ele que as pessoas,
especialmente os jovens que retornaram da Segunda Guerra Mundial, estavam
terrivelmente traumatizados pela destruição sofrida, e que somente poderiam
recuperar-se psicologicamente dos danos sofridos – incapacidade física,
carência de afeto e de recursos logísticos, simbólicos e culturais – quando se
empenhassem na busca de um novo sentido para viver. Mais tarde, quando preso
nos campos de concentração nazista, ele mesmo constatou a necessidade dos seres
humanos de buscar um significado e um por que viver.
“Mesmo que o homem esteja
numa situação terrível, em que a possibilidade de realização de valores de
atitude seja limitada, a realização de valores de atitude sempre continua
possível. E através dela, a vida do homem conserva o seu sentido até o último
suspiro.”
Em resumo, aprendemos com
Viktor Frankl que, mesmo quando a vida parece longe de ter
algum significado, ou a esperança se esvai completamente, nós somos
capazes de suportar qualquer sofrimento e encontrar um sentido pelo qual viver.
Referências:
FRANKL, Viktor. Em
Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração. Estados Unidos (1984).
FRANKL, Viktor. A
Psicoterapia na Prática. São Paulo (1991).
ASSUNÇÃO RODRIGUES,
Larissa; ALVES DE BARROS, Lúcio. Sobre o Fundador da Logoterapia: Viktor
Emil Frankl e Sua Contribuição à Psicologia. Goiás (2009).
*Postagem: Conti Outra
*Imagens: Reprodução
Assista a entrevista abaixo com Viktor Frankl:
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